Sociedade Canina
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Abrir os olhos

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Foto: Juliana Barbosa
Em 2009, fomos incumbidas de desenvolver mais um Projeto CAP – Cursos Articulados por Projetos. No terceiro ano de Comunicação Social, habilitação Jornalismo, o patamar Exercer do CAP é sempre o mais complexo, pois chega a hora de colocar a teoria na prática. Trata-se do Projeto Jornalismo Comunitário, ou, como é carinhosamente chamado, Superação (por que será?).

Deparamos-nos com o primeiro problema logo de cara: a escolha do tema. O que causaria impacto suficiente para ser tema do nosso projeto? Depois de muito pensar, pesar pós e contras e contar com um empurrão do professor orientador Roberto Medeiros, decidimos: Diferenças Sociais no Mundo Canino.

Queríamos mostrar uma comunidade diferente nesse projeto. Optamos por contrastar algo que nem sempre é notado por nós, seres humanos: as classes sociais dos cachorros de Mogi das Cruzes.

E quem pensou que o tema seria uma coisa mais, digamos assim, light, se enganou. E quem pensou que o tema seria alegre, se enganou também! Dessa vez não estudamos armas de fogo, não estudamos sequestros, chantagens e bombardeios. Dessa vez estudamos um único vilão: o abandono.

Dizem que jornalista não pode ser influenciado pelo fato, não pode opinar, mas deve apenas informar. E o grupo Sociedade Alternativa julgou ser fácil. Mas não foi. Não foi nem um pouco fácil.

Ao chegar ao local da primeira reportagem, o mundo chegou a ser surreal. Todos aqueles cães maravilhosos, de pelos brilhantes, perfumados e todos ‘emperequetados’ nos maravilharam. Tratava-se dos cães mimados. Impossível resistir!

Hora de checar a segunda fonte: ONG Adote Já, que recolhe animais das ruas e depois encaminham para adoção. Foi o primeiro baque. Todos os cães ali eram maravilhosos, desde os filhotes até os mais velhos. Como alguém tem coragem de largá-los em qualquer lugar, entregues ao destino se eles não conhecem nada da vida?

Mas, o terror veio mesmo quando, em uma segunda-feira (26 de outubro de 2009) quente e abafada, nos dirigimos até o Centro de Controle de Zoonoses de Mogi das Cruzes (CCZ). Às 14h estávamos em uma sala ampla, entrevistando o veterinário da instituição, Carlos Vincentin. Com muitas de suas respostas, deixamos o mundo mágico de lado e caímos, fundo, na realidade.

Uma hora depois, fomos visitar (se é que esse verbo cabe aqui) as dependências do CCZ. Sala de vacinação, vazia. Sala de repouso, apenas um gato recém castrado e um gavião com a asa machucada, que foi recolhido pela Polícia Ambiental. Daí, partimos para a sala de cirurgias e depois a de esterilização, mas ali, não há nada comparado ao que viria depois.

Atravessamos uma porta grande com vidros, que permite que a luz do sol entre no ambiente. Hora de visitar o canil. As três futuras jornalistas param por apenas um segundo e respiram. Tentamos preparar o psicológico em um segundo, mas nem se tivéssemos uma vida teríamos condições para prepará-lo o suficiente.

Primeiro passo dentro do corredor onde estão as grades dos canis, e então eles vêm nos saldar. Começam os latidos estridentes e perturbadores. Começam a pedir ‘Socorro’. Começam a pedir para serem adotados. Desesperados por carinho e atenção cada cachorro pula na grade protetora de sua ‘casa’. Duas cadelas chegaram brigar entre si, tudo para ter um pouco de carinho.

Jaulas de filhotes. Só na segunda-feira quatro ninhadas foram retiradas das ruas de Mogi das Cruzes. Um por cima do outro, eles vinham implorar por uma palavra de amor. Aqui, nossos olhos já nos traíam e revelavam as lágrimas.

Ala de observação, duas pitbulls recolhidas por agressividade. Estranho foi ter visto as duas latindo apenas para ganhar um cafuné de três medrosas. Mas no fim, nos rendemos.

Chegamos, finalmente, na pior sala. Nomeadas por nós mesmas de “Corredor da Morte”. Em um espaço isolado estava uma pitbull que fora abandonada pelo dono. O motivo? Foi agressiva. Essa pitbull deveria ficar no CCZ apenas por dez dias, seria como uma reabilitação, mas o dono nunca mais voltou para buscá-la. Então, ela aguardava paciente por uma salvação que não viria.

Em outro espaço um cão preto tremia, prestes a ter uma convulsão. Estava com sinomose, doença que afeta os nervos e músculos de um cachorro. Incurável. Esse cão esperava apenas por um alívio, por algo que acabasse com seu sofrimento. Outro cachorro de pelo claro dividia a sala com ele, sem preconceitos. Este carregava um tumor, já exposto à olho nu. Mais um que aguardava ansioso pela absolvição.

Agora nosso sentimento falou mais alto, já eram nítidas no rosto da Samira, por exemplo, as lágrimas de uma terrível sensação: impotência. Ali, nos julgamos impotentes e fracas, e almejávamos apenas uma coisa: que a salvação para todos eles viessem, que o carinho que eles tanto pediam com seus olhos brilhantes e tristes, os encontrasse. E que suas vidas fossem resgatadas de um ambiente onde a tristeza domina quem o adentra. Desejávamos, apenas, que a média de 60 cães abrigados no CCZ e os outros 35 mil soltos pelas ruas de Mogi, encontrassem um lar onde o amor e o carinho fizessem parte de suas vidas diariamente. E foi então que conhecemos o vilão cara a cara: “Prazer, minha espécie é humana e eu sei raciocinar”.

Grupo S.A.

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