Sociedade Canina

Carrocinha não existe mais

Picture
Foto: Heloisa Ikeda
Por Samira Hidalgo

Há seis anos o médico veterinário Carlos Alberto Vicentin faz parte da equipe de funcionários do Centro de Controle de Zoonoses de Mogi das Cruzes. Convivendo dia-a-dia com a triste realidade do abandono de cães na cidade, em entrevista exclusiva ao grupo S.A., Carlos esclarece que a carrocinha não existe mais e que o primeiro passo para controlar a natalidade canina do município é a conscientização dos mogianos.

Sociedade Alternativa: Quantos animais existem em média abandonados nas ruas de Mogi?

Carlos Vicentin: Não temos um número oficial de animais abandonados. O que temos é um levantamento do Instituto Pasteur feito no estado de São Paulo. O “senso” de animais é feito sempre com relação à população humana. Por exemplo: em Mogi das Cruzes, são 430 mil habitantes, segundo o IBGE – Instituto Brasil de Geografia e Estatística. No levantamento do Instituto Pasteur o dado divulgado foi de 4,9 habitantes para cada animal. O que somaria aproximadamente 90 mil cães em Mogi das Cruzes. Desses, pelo menos 60% são domiciliados. O restante, 40% (em torno de 35 mil animais), são distribuídos entre: cães abandonados e cães semi-domiciliados, que são os cachorros cuidados pela vizinhança, que possuem mais de um dono. Sem esquecer da porcentagem que têm dono, mas ficam nas ruas. Vale ressaltar que a zona rural do município é grande, então esses 35 mil cães que estão circulando pela cidade não estão só na parte central, estão em toda área física de Mogi.

S.A.: Quais são os critérios para encaminhar um cão para a eutanásia?

C.V.: Os critérios que usamos são embasados na Lei n° 12.916, sancionada em 16 de abril de 2008, que recebeu o nome de Lei Feliciano Filho, onde fica vedado a matança de animais sadios. Os animais encaminhados para a eutanásia são aqueles que estão em estado terminais, com doenças incuráveis, infecto-contagiosas, neoplasias e também com histórico de agressão. Algumas raças muito agressivas também são eutasianadas após 90 dias de abrigo no CCZ, caso não seja encontrado um adotante especial. Mas, essa figura do adotante especial ninguém sabe quem é. É uma questão em aberto, na realidade o adotante especial não existe.

S.A.: Segundo a Vigilância Sanitária de Mogi das Cruzes, 120 cães são eutanasiados por mês. Já o número de adoções chega a 13 cachorros por mês. A que se deve esse contraste?

C.V.: A demanda por adoção é bem menor que a demanda pelo abandono. Realmente é uma conta que nunca vai fechar. O número de adoção sempre foi baixo, todos sabem disso. A procura por animais sempre é muito baixa em relação à oferta que o CCZ tem a ser colocada.

S.A.: Em que estado os cães capturados/resgatados pelo CCZ são encontrados?

C.V.: A palavra captura não é mais usada. Isso é de antigamente, quando nós buscávamos esses animais. Hoje, conforme a Lei Feliciano Filho, nós não fazemos mais a captura, o que fazemos é a remoção seletiva. Dos animais que temos, basicamente encontramos animais mal nutridos, com patologias de pele, doenças infecto-contagiosas, animais muito velhos, que a população descarta porque exige maior cuidado para com o cão. E temos também na faixa de 25% de ninhadas de filhotes, que são um dos grandes problemas para o CCZ, de como lidar com esse perfil de animais abandonados.

S.A.: Por que é um grande problema?

C.V.: Geralmente, quem abandona desmama os filhotes antes do tempo. Creio que 50% dos filhotes que chegam ao CCZ estão desidratados, infestados por vermes. Muitos acabam sendo sacrificados. Outros não, outros têm uma faixa etária elevada, estão saudáveis na medida do possível, é mais fácil de adotá-los, porque a procura por filhotes é maior.

S.A.: Quantos cães são entregues ao CCZ por dia?

C.V.: Não tem muitos cães entregues por donos, porque a instituição recusa esses animais, em parte. Antigamente, antes da lei, recebíamos em torno de 2 animais por dia. Hoje a situação é outra. O que sabemos é que na época de férias, de feriados prolongados, o aumento de animais indesejados pela população que vem entregar a Zoonoses chega a 50%.

S.A.: Como funciona o atendimento de denúncias de abandono e maus tratos?

C.V.: A questão do mau trato deve ser separada do abandono. Mau trato é tipificado como crime. Já o abandono não é considerado crime. O que temos na lei municipal é a infração. Se for constato que um munícipe abandonou um animal, ele recebe um auto de infração. Mas é difícil identificar quando alguém abandona um animal. Sem querer associar, mas é como o descarte de lixo na cidade. As pessoas depositam o lixo num horário e local que ninguém percebe.

 S.A.: Quais são as doenças mais comuns contraídas pelos cães de rua e quais são os riscos dessas doenças para os seres humanos?

C.V.: Temos que considerar que grande parte da população não dá assistência médica veterinária ideal aos cães de estimação. O que temos em grande parte são doenças com prevenção, como sinomose e parvovirose. Fora isso, há também muitos casos de agressividade. Na maioria das vezes o dono já não controla o cachorro, porque não estabeleceu domínio sobre ele. Lembrando que cães são mamíferos, e sempre têm, dentro do social, uma hierarquia. Se a pessoa não tem poder sobre esse animal, se ele não obedece, pode ser que cause algum transtorno de agressividade. Muitos animais também são encontrados com idade avançada, e apresentam neoplasias, problemas de pele e mutilações.

S.A.: Os recursos financeiros do CCZ são mantidos pela prefeitura ou a instituição também recebe doações?

C.V.: Os recursos financeiros do CCZ estão dentro das doenças de Zoonoses que nós combatemos. A instituição tem de cumprir metas, como a de vacinação anti-rábica. Se atingirmos a meta, o recurso financeiro se pactua e é transferido para o município. Contamos também com as ações orçamentárias, dentro de um cronograma de aplicação financeira. Além disso, 11% da verba municipal é encaminhada para o Departamento de Saúde.

S.A.: Como funciona a campanha de castração de animais?

C.V.: A cirurgia de castração é uma das ferramentas para o controle de natalidade. Mas a demanda é muito maior do que a capacidade que a prefeitura tem de oferecer essa cirurgia. Temos também algumas limitações, como a questão geográfica. O CCZ está na parte oeste de Mogi das Cruzes, ou seja, a parte leste, que tem demanda de castração alta, por exemplo, no bairro de Jundiapeba, não consegue ser plenamente atendida porque os recursos financeiros das pessoas que residem no local não permite que elas tenham veículo para trazer o animal até aqui. E qualquer tipo de animal não pode circular em veículos públicos. Assim, a demanda acaba ficando reprimida. Atualmente fazemos cerca de 60 a 80 cirurgias por semana, e nosso objetivo é aumentar esse número, mas de forma planejada.

S.A.: O que mais pode ser apontado como solução para o controle de natalidade canina?

C.V.: Não podemos achar que só a castração solucionará o controle de natalidade. Apostar todas as fichas nessa solução é agir de maneira errada. Então, é importante que as pessoas se conscientizem através da posse responsável, que consiste em planejar a compra ou adoção de um animal. Não adianta uma pessoa obter um animal de estimação se não tem condições para cuidar dele. Sem condições o cão fica na rua, procria, outras pessoas adotam os filhotes, não cuidam de maneira responsável e tudo se repete. É um ciclo vicioso.


Bookmark and Share